Enfim realizei algo que já desejava
há pelo menos dois anos: chegar ao topo do Pico da Bandeira, o terceiro ponto
mais alto do Brasil. Junto de outros quatro amigos planejei a viagem durante um
mês, nos preparando porcamente para subir e passar uma noite no ponto mais alto
da Serra do Caparaó. Pela falta de dinheiro e experiência em fazer trilhas
desse tipo, enfrentamos algumas dificuldades que até poderiam ter
impossibilitado cumprir o objetivo, mas pela disposição de nossa idade
conseguimos chegar bem até o final.
Porém o que mais me impressionou
nisso tudo, e o fator que deve levar tantas pessoas a se interessar em subir a
montanha, é a efemeridade da existência humana. Por sermos seres sociais e
condicionarmos nossa existência a mudar o ambiente que vivemos, nos acostumamos
aos cenários que nossos próprios antepassados criaram. Nossas cidades, nossos
prédios, nossos carros, nossos objetos, todos produzidos há poucas décadas.
Tudo recente. Ao encontrarmos um item com mais de 50 anos, automaticamente já o
consideramos como algo estranho, pertencente a um mundo onde tudo era diferente.
Durante as seis horas de subida,
passando por caminhos irregulares de pedras pontudas, longe de todo conforto a
que estava adaptado, de tudo o que pensava precisar para sobreviver, percebi o
mundo de um jeito que ainda não o entendia. Aos poucos, as espessas névoas
foram ficando para trás. Concentrado em onde pisar, com o olhar voltado para o
chão e a respiração cansada, mal pude ver as nuvens se dissipando e o céu
abrindo. Era bem na hora do crepúsculo, estava em uma posição acima das nuvens,
um horizonte avermelhado e triste que só tinha observado das vezes que viajei
de avião. Confesso que o achava estranho, e por vezes até entediante, aquele céu
limpo, literalmente vazio. Não havia montanhas, não havia prédios, nem árvores
e nem nada ao alcance dos olhos.
Com o acampamento montado meus
amigos foram dormir. Com frio e sem sono, resolvi sair da barraca. A lua crescente
e vistosa que figurara no céu desde a minha chegada desapareceu. Sem a luz da
minha lanterna, tudo se resumia a um mundo bidimensional. Enxergava apenas o
céu em um tom negro, repleto de incontáveis estrelas, e a massa negra e opaca
do terreno, sem nenhuma luz sobre ele, o que me impede até de chama-lo de
sombra.
Ali, pela primeira vez, tive
noção da existência do universo. Das estrelas que já estavam lá a milhões de
anos e daquelas que emitiam sua imagem sem nem ali estar mais. Aquele mesmo céu
foi visto por gerações que nem foram descobertas ainda. Aquele cenário viu o
nascer do mundo. Toda a história que conhecemos, todas as preocupações que
temos, tudo o que desejamos ser, tudo o que passamos, as guerras que
aconteceram, as evoluções que tivemos, o que destruímos, o que construímos, os
amores que vivemos, tudo não passa de mais um pontinho naquele céu, naquele
cenário, que no momento está aceso, mas um dia vai se apagar, enquanto outro
pontinho se acende.
Pensando nisso, naquela noite, me
dei conta que não há nada que devo me preocupar. Toda decepção que eu tiver,
todos os erros que eu vier a cometer, ou ainda que eu tenha acertos, tudo isso
não será nada nesse cenário. É como se as cidades que criamos fosse uma forma
de nos enganar e acreditarmos que o que fazemos será de alguma forma importante
dentro daquele recortezinho que nos convencemos de que é o mundo. Enquanto que
o universo permanece ali, imenso, rindo, desse ser tão pequeno e convencido que
somos. Seres atrapalhados, seres perdidos. Heh