15 fevereiro 2011

O que será de mim sem Ronaldo?




O que será do futebol sem Ronaldo? Aliás o que é torcer sem Ronaldo? Com a aposentadoria do jogador, muitos da minha geração verão o futebol com outros olhos, sem que eles estejam sobre Ronaldo. Não conheço o futebol sem Ronaldo, apesar de acompanhar sua decadência infelizmente há algum tempo, nunca imaginei o dia em que fosse parar. Sua carreira foi marcada pela presença dos holofotes, um dos primeiros jogadores a encarar a ascensão da mídia, o seu poder de difusão e um dos grandes beneficiados dela. Graças a isso, Ronaldo é conhecido no mundo inteiro e me ajudou a despertar o amor pelo futebol. Figurou sempre como ídolo na minha vida, o que será de mim sem Ronaldo?


Quando comecei a entender sobre futebol, Ronaldo já era um astro. Quando o esporte ainda era um mistério para mim, quando ainda não sabia o significado de um impedimento, Ronaldo já era meu ídolo. Amadurecendo minha paixão, ganhei do meu pai um Super Nitendo do qual meu game favorito obviamente era o futebol. O jogo já era fruto da exploração da imagem do jogador, “Ronaldinho Soccer 97”. O craque ainda jogava no Barcelona com craques como Figo e Vitor Baía. Lembro-me da sua face pixelada e de uma pele um pouco mais escura do que da maioria dos outros jogadores. O Barcelona era motivo de disputa na minha rua, todos queriam jogar com o time que tivesse Ronaldo. As disputas só se encerravam com um tradicional par ou impar que terminava com o alívio do vencedor e com o perdedor a praguejar da sorte de não poder ser Ronaldo num mundo virtual.


Logo em seguida veio minha primeira Copa do Mundo. Assim como Ronaldo, não era bem minha primeira Copa, já tinha nascido em 94, mas era a primeira vez que participava de maneira mais ativa. Ainda com pouca idade, Ronaldo figurava como principal esperança da seleção brasileira. Os comentários entre meus tios e primos eram sempre sobre o jogador, inclusive quando o Brasil perdeu na final, quando virou vilão por não conseguir ser tão genial como vinha sendo até então. Após isso, o que eu via de Ronaldo era somente nos jogos da seleção brasileira e nas partidas de videogame. Muitos dos jogos do Brasil eram a tarde e no meio da semana, horário que eu costumava frequentar a escola. Lembro-me questionando a professora por que é que havia aula se o Brasil estava jogando, se Ronaldo estava jogando. Sentia necessidade de acompanhar o ídolo, como necessitava me alimentar. Era o meu herói favorito e de muitos brasileiros.


Como todo herói, Ronaldo também precisou derrotar alguns vilões. Enquanto vivia seu auge até então no futebol, sofreu com a primeira de suas graves contusões. O período em que se recuperava foi como um limbo na minha memória futebolística. Não me lembro da seleção brasileira durante esse período. Para preencher esse vazio, voltei minha atenção para o clube que move meu coração, o Corinthians. Amor esse que começou ainda no videogame, no “Ronaldinho soccer 97”, obrigado por isso Ronaldo. Foi nessa época que o clube conquistou dois brasileiros e um mundial. Foi quando entendi o que era um impedimento, o que era um lateral, um volante, um 4-4-2, foi quando entendi o que era o futebol.


O uso da palavra limbo é a melhor maneira para descrever o momento. Pois quando via Ronaldo no campo, ainda era criança demais para entender o futebol e quando ele voltou eu já entendia tudo o que se passava no gramado, mas não conhecia sua genialidade. É estranho, era como se nunca tivesse visto o craque jogar, mas já estivesse encantado pelo seu futebol, algo que só acontece com mitos. O primeiro jogo pela seleção após sua recuperação foi num amistoso poucos meses antes da copa. Ronaldo não desempenhou bem o seu papel e vieram as criticas. O amistoso aconteceu enquanto eu estava estudando, saí da escola e me lembro de ter visto um pedaço do jogo ainda num bar, no caminho entre minha casa e a escola. O Brasil vivia uma crise técnica e a volta do jogador era a grande esperança de todos. Os comentários ainda naquele bar não eram bons. A maioria ainda acreditava que o jogador já havia atingido o ápice e não voltaria a ser tão genial.


Até a Copa do Mundo, o clima era de desconfiança. Ainda não havia visto com maturidade o futebol de Ronaldo. Começava a achar que ele realmente estava acabado. Mas na Copa, Ronaldo mostrou o que era, foi decisivo. A história todos nós conhecemos hoje, chega como quem não quer nada e se torna ídolo mais uma vez. Novamente era o assunto em todo lugar. Havia voltado a ser o melhor jogador brasileiro. Foi o primeiro exemplo de superação que deu a população brasileira. Comemorando o título daquela copa, lembro-me de camisas de futebol com o nove estampado nas costas. Via na escola e na rua várias crianças imitando o famoso topetinho usado na final contra a Alemanha. Após dois anos de limbo, Ronaldo recomeçava de onde parou.


Depois disso, ele entrou para o badalado time de galácticos do Real Madrid. Junto com Zidane e Figo, Ronaldo fez o clube tão popular no Brasil que seus jogos passaram a ser transmitidos na tv aberta, no então recém nascido Band Esporte Interativo com Éder Luís e Neto. Dali em diante, nunca perdi Ronaldo de vista novamente. Acompanhei toda sua genialidade até o fim da carreira. Torcia para ele e para o Real Madrid como torcia para o meu Corinthians. Acompanhava jogo a jogo, xingando os árbitros, os pernas de pau espanhóis que só jogavam no Real porque eram espanhóis (leia-se Michel Salgado e Ivan Helguera), torcia como se fosse torcedor do Real Madrid. Torcia também contra Ronaldinho Gaúcho que se tornava melhor do mundo no Barcelona. Na minha cabeça não podia existir concorrência entre dois craques brasileiros e ainda por cima de mesmo nome. Só havia um Ronaldo.


Acompanhei as lesões do jogador. Era um drama a expectativa antes dos jogos para ver se Ronaldo estaria em campo ou se recuperando de lesão. Eram tantas que o jogador quase não conseguia voltar ao seu condicionamento físico ideal. Fomos nos acostumando a ver o craque cada vez mais rechonchudo. Na copa de 2006, Ronaldo estava sem ritmo de jogo e ainda se recuperando de lesão. Os comentários de gordo começaram aí e foram até o fim de sua carreira. A torcida brasileira nunca poupou o jogador por não ser genial o tempo inteiro. Ainda assim Ronaldo se destacou como o melhor e o que mais correspondeu no então Quadrado Mágico formado por ele, Adriano, Ronaldinho Gaúcho e Kaká. A expectativa de gols deste ataque era imensa, porém os jogadores vinham de um fim de temporada desgastante onde todos eram os principais jogadores de seus times e estavam superconfiantes. Essa autoconfiança virou comodismo dentro do campo, a seleção fracassou por não se preparar devidamente para a Copa do mundo.


Após a eliminação na copa, Ronaldo começou a perder espaço. Nunca mais voltou a vestir o uniforme canarinho em uma partida oficial. Já não era mais o melhor jogador brasileiro em atividade. Ficou sem espaço também no Real Madrid que começava a reformular seu elenco, já que os galácticos não conseguiam mais ser o melhor time da Europa. Transferiu-se para o Milan, na esperança de que pudesse voltar a ser ídolo num time de ponta.


Com o corpo cada vez mais pesado, Ronaldo ainda mostrava sua velocidade, técnica e habilidade. Foi decisivo ao colocar o clube na zona de classificação para a Champions League mesmo tendo começado o campeonato com pontos a menos, como punição pela participação em esquemas de combinação de resultado no campeonato anterior. Sua chegada trouxe tanta motivação a um clube que não estava muito bem no Italiano, que o Milan conseguiu ser campeão da Champions e do mundial, mesmo sem contar com o craque. A sua simpatia ajudou a afastar a crise que o clube vivia. As lesões também fizeram parte da sua passagem pelo clube. No final da temporada de 2007/2008, Ronaldo sofreu sua segunda lesão grave. O tendão patelar do outro joelho se rompe e ele voltou a viver o drama já superado no passado. Diferentemente da outra vez, Ronaldo não ficou no limbo. Não porque se recuperou rápido e voltou a jogar bem. Infelizmente, ele continuou sob os holofotes por outros motivos. Na era em que a internet tornou-se acessível a uma grande quantidade de pessoas, as fofocas sobre a vida pessoal do jogador se tornaram manchetes em quase todos os sites brasileiros. Escândalos sexuais, separações e traições contribuíram para esfriar a relação entre Ronaldo e seus torcedores, já não era mais o jogador exemplar.


Para muitos, desta vez não havia mais dúvidas, Ronaldo estava acabado para o futebol. Sua imagem era cada vez mais parecida com a de um jogador aposentado. Porém ainda assim era um grande jogador e desejado por muitos clubes brasileiros e europeus. Na fase final de sua recuperação começaram os rumores de onde Ronaldo jogaria. O então fraco Manchester City, recém comprado por um grupo milionário árabe se interessou pelo jogador. Flamengo, cujo até então Ronaldo fazia juras de amor era o favorito para assinar com ele. Sem tanto favoritismo, quem apresentou uma proposta e um projeto mais organizado foi o Corinthians. Nosso clube conquistava nesse momento a redenção no futebol brasileiro, rebaixado em 2007, reestruturávamo-nos para voltar a primeira divisão de forma competitiva da qual costumávamos participar. Ronaldo foi o símbolo dessa reestruturação.


A combinação deu resultados. Ronaldo e Corinthians mostraram um futebol que encantou a imprensa e conquistou todos os títulos do primeiro semestre de 2009. Ronaldo era mais uma vez decisivo e ídolo principal de uma nação. O Corinthians ganhou destaque no mundo inteiro se aproveitando da carreira de sucesso de Ronaldo. No Corinthians, ele pode contar com a paciência e ter todas as condições para voltar a jogar. Ronaldo representou em pouco mais de dois anos o time do Corinthians, foi não só o craque do time, como líder dentro e fora de campo. Porém as lesões continuavam o interrompendo de dar sequência ao seu bom futebol. Somente no fim de 2009 conseguiu voltar a completar 7 partidas seguidas, fato que não ocorria desde de 1998. Ainda assim existia uma imensa expectativa para que voltasse logo para os gramados e ser o salvador da pátria corinthiana. Era uma verdadeira epopeia acompanhar as notícias que vinham do departamento médico do Corinthians. Novos tratamentos, treinos mais específicos e outros equipamentos pareciam que iriam acabar com os problemas físicos do craque. Porém seu corpo continuava a limitar suas atuações.


Todos perceberam que o craque logo pararia de jogar futebol. O anúncio veio em 2010, quando Ronaldo disse que pararia no fim da temporada de 2011. Apesar do anúncio e das apresentações cada vez menos geniais, era difícil pensar no Corinthians e no futebol sem Ronaldo. Todos sabiam que ele já não era um jogador que decidia sempre as partidas, mas poucos achavam que ele iria parar. Foram tantos exemplos de superação, que a sempre ingrata torcida esperava sempre mais um. E como essa superação não vinha de forma definitiva, ele foi mais uma vez criticado, como sempre foi em sua carreira, por não ser perfeito.


Após uma eliminação precoce do Corinthians de seu maior sonho de consumo, a Libertadores, as críticas sobre Ronaldo aumentaram. Foi afastado do elenco principal e não voltou a jogar. O gostinho de quero mais vai ficar pra sempre em nós corinthianos. Apesar de sempre criticá-lo, poucos desejavam a sua saída, e desses poucos, muitos a desejavam de forma inconsciente. Ronaldo parou. Nunca mais irá jogar futebol. A sensação nesta segunda-feira pós aposentadoria é de já ter saudades do craque, uma sensação de choro preso que cria um vazio dentro do peito. É difícil explicar. Parece um pesadelo que logo vai passar, não seria assim que eu imaginaria o fim da carreira de Ronaldo, algo que nunca passou pela minha cabeça. Presente desde o início como principal protagonista da maior das minhas paixões, vai ser difícil acompanhar o futebol sem Ronaldo, ele marcou uma época que jamais será esquecida. Espero que desta vez quem não fique no limbo seja eu, vivendo somente do passado de Ronaldo, sem saber o que é futebol sem ele.