31 julho 2010

Diário de Bordo: nas veias do Brasil


Durante três dias viajei, de caminhão, de Cachoeiro do Itapemirim à São Paulo. Nesses três dias pude perceber as características e falhas do sistema de transportes brasileiro. Características que vão além de atingir apenas empresários e empregados do setor, elas influenciam e ao mesmo tempo refletem a sociedade brasileira. Há uns dois anos, sempre que passo muito tempo em casa viajo com meu pai, a fim de esparecer e matar a saudade. Ele que é caminhoneiro há bastante tempo sempre discutiu comigo a respeito de economia e política, dando exemplos visíveis a cada paisagem vista da cabine de um caminhão.

Saímos de Cachoeiro do Itapemirim carregados de mármore. A "Princesinha do Sul" como a cidade é conhecida, ganhou esse apelido no auge do café nos primeiros anos do século XX por sustentar a economia capixaba. Hoje a cidade ainda faz jus ao apelido, não por causa do café, mas devido à exportação de mármore. A cidade respira essa atividade. Cercada por montanhas, é possível ver de longe as paisagens com morros pela metade, resultado da exploração. Logo na entrada, também se vê várias marmoarias serrando imensas pedras. Muitos caminhões são vistos circulando pela cidade, não é difícil achar um membro de família que não seja caminhoneiro ou que tenha algum envolvimento com a atividade por aqui. Praticamente 100% dos fretes oriundos da região, são para o transporte de mármore, seja cortado em chapas, em pedras, ou no produto final como pisos e pias. Isso atrai não só os caminhoneiros locais, mas caminhoneiros de outras regiões como Minas Gerais e Bahia. Fica então um clima, escondido é claro, de faroeste. Os caminhoneiros locais não gostam muito dos forasteiros, pelo fato deles se aproveitarem dos fretes da região, ocupando o espaço dos motoristas moradores do município.

A viagem então começa. A primeira parada se dá após o centro da cidade de Campos dos Goytacazes-RJ. A região é formado de pastos e de população predominantemente negra, heranças de uma das cidades mais prósperas do período açucareiro do Brasil. A cidade é razoavelmente desenvolvida mas enfrenta a tradicional desigualdade brasileira. Com alguns quilômetros de distância, estão os prédios altos dos representantes dos petroleiros, agricultores e dos meios de comunicação do norte do estado; logo após estão várias casas coladas umas as outras, expremidas entre a ferrovia e a BR 101. A estrada recentemente passou a ser de responsabilidade da consercionária Autopista Fluminense, que atua da divisa com o Espírito Santo até a cidade do Rio de Janeiro. Antes esburacada e com sinalização precária, agora melhor sinalizada e com buracos menos evidentes, a estrada mostra os planos de sua administradora com o ínicio das obras de duplicação. A privatização de estradas torna-se cada vez mais comum no Brasil, com as dificuldades de se investir em infraestrutura o governo libera frequentemente conceções as empresas. O principal acesso dessa região entre o Rio de Janeiro e São Paulo é feito quase que 100% por empresas privadas, custando cada vez mais caros para os viajantes. A região também é uma das mais perigosas do eixo Rio-São Paulo, tanto sobre assaltos como de acidentes. Caminhões carregados com pilhas de 4 metros ou mais de lajotas, reduzem a velocidade da pista. Com isso, as freadas e ultrapassagens são constantes. Além disso com menos velocidade exigida, os motoristas ficam mais vulneráveis a assaltos. Também se comenta as consequências da recessão econômica. Talvez acostumados com o ritmo acelerado que o Brasil vivia anteriormente, hoje se diz que as pistas não estão tão movimentadas como antes, que as cargas não eram tão abundantes como anteriormente. Muitos caminhoneiros passam vários dias em pátios de postos de São Paulo e Rio de Janeiro à espera de carga para voltar para casa.

Outro fator que vem prejudicando os motoristas, é a "função de Bode Espiatório" que vem lhes sendo aplicadas. Diante dos problemas de trânsito, os governantes privam cada vez mais caminhões e carretas de circular nos centros urbanos, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, existem regras bem específicas para o circulação desses veículos. Recentemente foi anunciada mais uma restrição a eles em São Paulo. O prefeito Gilberto Kassab proibiu o tráfego de caminhões em parte da Marginal Pinheiros, importante acesso de São Paulo. A restrição pode aumentar e atingir outras regiões, excluindo-os também da Marginal Tietê. Restrição igual existe no Rio de Janeiro. Em certos pontos da cidade apenas caminhões de mudança podem circular. O que acaba ocorrendo é uma certa maquiagem das cargas, que são misturadas com utensílios domésticos para burlar a fiscalização. A ponte Rio-Niterói também restringe caminhões durante maior parte do dia, sendo permitida a passagem deles apenas pela madrugada.

A restrição em São Paulo entrará em vigor nesta segunda-feira (2). Na quarta (28), estava em São Paulo e pude presenciar conversas à respeito da nova restrição sobre caminhões. Cientes do certo alívio no trânsito que a decisão dará, eles ainda assim acusam o prefeito de fazer pouco pela categoria, declarando posição contrária ao governo municipal. Dizem que os caminhões que prejudicam o trânsito são os caminhões da própria cidade, que sem manuntenção, quebram a todo momento em plena Marginal. Com isso, os caminhões de linhas interestaduais ficam presos a um horário pouco viável, gastando mais tempo em espera para transitar e ganhando menos dinheiro por não poderem fazer novas viagens. Citam ainda, a situação do Porto de Santos que durante a semana de mal tempo, paralizou as atividades portuárias, deixando vários caminhoneiros carregados, esperando na fila durante dias. Apesar do aumento das dificuldades a cada dia, os caminhoneiros não tem ajusto de frete, haja vista a grande oferta de trabalhadores da área. Em consequência disso, os trabalhadores passam a ganhar cada vez menos.

Muitos caminhoneiros ameçam uma paralização, porém diante da corrupção existente em seu sindicato, ficam enfraquecidos para mover tal ação. Motivos para isso não faltariam: Trabalho de mais de 18h por dia, Noites sem dormir, necessidade de tomar drogas para se manter acordado e cuprir horários, policiais rodoviários corruptos que ameaçam detenções em busca de propina, pedágios altos, falta de direitos trabalhistas, etc. Hoje, os operários estão bem sistematizados e se adaptaram a política brasileira de "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Vítimas de uma politicagem cruel, a classe atravessa as dificuldades sem ter muito o que fazer. Educados sempre a obedecer as leis, foram negados também a educação para fazer valer seus direitos. Assim atravessam o Brasil inteiro, desamparados porém, tal como burros, carregando nas costas a importante tarefa de levar os produtos aos consumidores.

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